A história do filme brasileiro “Elena”, escrito, vivido e contado pela irmã e diretora, Petra Costa, traz um misto da busca artística-espiritual na tentativa de ressignificar a dor, a arte, e a complexidade que é existir; algo que também deveríamos fazer com nossas próprias vidas, de um jeito, ou de outro.
Olá, você!
Antes mesmo de escrever a newsletter passada, eu já estava processando [sentimentalmente] o texto da próxima, ou seja, desta que você lerá ou escutará em alguns minutos.
Desde o dia 2 de Agosto eu tenho pensando muito no filme brasileiro “Elena”. Bom, se você já o viu, sabe o porquê do documentário ficar, de certa forma, na cabeça; senão taí um ótimo motivo para você o fazer após esta leitura. Mas de antemão, esclareço que, além de uns spoilers, o ensaio à seguir, não nasceu para ser um review ou uma sinopse; é mais um desabafo, ou, uma clássica confissão minha perante ao que me tocou profundamente. E isso, não só por conta da qualidade da obra, mas muito pelo o caminho que tracei [ou foi traçado para mim?] para descobrir e, de fato, ter o interesse em assistí-lo.
Aconteceu que eu recebi uma espécie de mensagem cósmica. O universo adora dar dessas comigo. Foi daí que tudo começou, e pra saber como tudo começou, só lendo ou ouvindo, pra saber.
Larissa Xavier // Literatura Confessional
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Quando a inspiração tem nome próprio
A história do filme brasileiro “Elena”, escrito, vivido e contado pela irmã e diretora, Petra Costa, traz um misto da busca artística-espiritual na tentativa de ressignificar a dor, a arte, e a complexidade que é existir; algo que também deveríamos fazer com nossas próprias vidas, de um jeito, ou de outro.
Se tem um material que tenho paixão, é o papel, este em que as pessoas podem transformar suas ideias em algo ali concretizado; seja em estrutura, palavra, ou imagem, e, que depois, qualquer um pode ter o prazer de tocar, de folhear, de abraçar.
Infelizmente, não me lembro quando ou como, mas em meio à milhares de flyers, cadernos, cartões postais, e marcadores que guardei/guardo, me recordo de ter um, em especial, por muito tempo. Nele havia uma mulher afundando em água verde-esmeralda escuro. Ela vestia um vestido com algumas flores estampadas, de tecido leve que poderia ser algodão ou chiffon; tinha ares daqueles antiguinhos. No topo do cartão estava impresso o título devidamente destacado — ou um nome que vai ser sempre próprio no fim das contas — Elena.
Apesar de eu não saber se o cartão ainda existe em algum lugar da minha bagunça, toda essa memória fotográfica e física bateu à minha porta em mais um sinal intergaláctico vindo do majestoso Universo.
Como disse no último texto, há uma conexão peculiar entre meu marido e eu que vai além daquela construída pela intimidade de duas pessoas que passam muito tempo convivendo juntas. Mais uma vez, ele foi o receptor de uma mensagem vinda dos cosmos, ou do lugar onde os sinais brotam — que não deve ser do cérebro, pelo menos não do humano.
Novamente em um desses episódios, há algumas semanas (ou meses) Johnnys havia me dito que gostaria de assistir o filme brasileiro chamado “Elena”. Pensando nisso enquanto escrevo, ficou claro que naquele dia eu não dei a atenção devida, porém, quando algo precisa ser, vai ser, não importa os caminhos ou desvios que a vida faça até que você chegue àquela coisa, e vice-versa.
{…}
Primeiro domingo de agosto e segundo dia do mês, por volta de quase 21:30 da noite, fim de expediente, meu marido diz:
— Vamos assistir o filme “Elena”?
Disse ele num tom como se não lembrasse que já tivera me indicado o mesmo. E antes que minha resposta brotasse, ele emenda:
— A Monica Iozzi até recomendou no Instagram dela.
Eu, sem pensar muito, disse “vamos!”, afinal eu estava ali lavando a louça dominical e o que eu mais queria era poder voltar à posição horizontal novamente.
{…}
O filme começa quando eu ainda não tinha conquistado meu posto deitada. Entre um garfo ensaboado e uma tupperware enxaguada, escuto os primeiros diálogos. As cenas que pude ver enquanto do alto da pia esclareceram que, na verdade, o filme era um documentário e estava sendo narrado por alguém que naquele momento não fazia parte das cenas. E mais: se passava em Nova York, minha cidade. Foi o suficiente para acender meu interesse primário.
Assim que acabo de fazer minha tarefa, finalmente, em posição horizontal me coloco, e começo a de fato ver o filme, que já devia ter passado uns 20 minutos. Confesso que logo nos primeiros 5 minutos depois dos 20 que tinham se passado, pensei:
— “Hmm, tem algo de esquisito nesse filme. Parece um filme caseiro, ou ainda um “sonho filmado”. Acho que não vou conseguir ver até o fim.”
Insisto, afinal, ver algo antes de dormir me faz relaxar. Na verdade, nem tanto, porque se o que eu assisti for bom, mesmo após me deitar, ainda fico a pensar e a pensar; assim distraindo o sono, que por sua vez, adora reclamar e jogar essa verdade na minha cara no dia seguinte.
Para um breve entendimento, a produção brasileira acompanha a história inicial de Elena, que viaja para Nova York com o sonho de se tornar atriz de cinema. Anos mais tarde, Petra, a caçula, também se muda para a big apple, dessa vez, em uma busca intensa e assustadoramente íntima sobre o passado da irmã mais velha. Pois bem, continuo a assistir e a tentar captar a vibe daquele documentário, a vibe daquelas vozes que não param de repetir o nome-título do filme.
{…}
Faltando pouco menos da metade pro filme acabar, finalmente, me rendo e sinto que fui fisgada por aquela narrativa. Finalmente me permiti, de certa forma, mergulhar naquela história, mergulho esse que aconteceu bem no momento constatado da partida de Elena, que tinha deixado essa dimensão pela mistura fatal de remédios e álcool. [desculpem o spoiler!]
A morte sempre chama atenção, não importa onde sua cabeça esteja. Foi ali naquela cena, então, que entendi a dimensão, a profundidade e a sensibilidade de que se tratava aquele documentário; que mais parecia que eu também estava participando da história, como um espectador invisível.
Meus olhos dali em diante ficaram grudados na tela da televisão. Passei a observar cada fala, cada entrelinha, cada imagem exibida. E eis que quando o filme acaba… eu me sinto extasiada. Os créditos surgem, e eu? Ah, eu choro. Choro pelo desfecho, por Elena, por Petra e sua família. Choro pela arte. Pela vida. Pela existência. Choro de tristeza, mas também de admiração ao ver quando alguém consegue transmutar e entregar sua realidade para outros a verem e, quiçá, viverem — nem que seja por 1:30h. Ainda que seja uma realidade vivida através de uma tela, mas, que mesmo assim, é capturada pela vastidão dos olhos, pela profundidade dos ouvidos, pela sensibilidade que bate com ponta de faca no coração. Ou na ponta dos dedos enquanto escrevo.
Fiquei estirada ali na cama por alguns minutos. Decidi, então, procurar, artigos e entrevistas sobre a autora e o filme. Quis entender como foi para Petra cutucar e, ao mesmo tempo, abraçar uma ferida que parece não sarar nunca. Pensei demasiada e deliberadamente no processo criativo envolvido…
“[…] Como fazer de um acontecimento real, Arte? Como transformar o que é nosso, mais tão nosso, em algo que sirva para o outro? Em que medida ou em qual contexto podemos mostrar, compartilhar, gritar; fazer do íntimo, universal? Divago […]”
A resposta? Talvez seja um pouco do que tento fazer ao escrever aqui. Porém, não tenho certeza se é uma constatação ou, ainda, uma pergunta. E ainda que não faltem exemplos “bem-sucedidos” de histórias reais contadas por uma lente artística, continuo a ter a sensação de que não existe uma fórmula/método que nos faça avaliar como uma vivência pode ou não ser transformada em “produto”. Quem sabe esse seja um trabalho que só cabe a intuição conduzir. Mas, por outro lado:
“Quando se trata de dor, especificamente, não dá pra querer emprestá-la como se fosse uma roupa. Não existe numeração disponível mesmo quando você e eu vestimos M, ou calçamos 38. Dores são pessoais e intransferíveis. A vida é pessoal e intransferível; mas, em contrapartida, acredito que a Arte seja uma forma de universalizar o que é experienciado no singular. Um empréstimo momentâneo de nossos sentidos particulares.”
{…}
Dentre tantos pontos que fascinam na história de Elena e no olhar de Petra sobre a narrativa da qual ela mesma viveu, um deles foi a sensação de ver a vida se aproximando. Ou da vida se esvaindo; por inúmeras lentes.
Desde o momento de abertura, com as luzes do tráfego de Manhattan se dissolvendo no tumulto nova-iorquino; o mundo inteiro indistinto e fugaz, julgo que o filme, a meu ver, soube nos envolver nesse “sonho compartilhado”. Nesse sonho no sentido do imaginário, nesse sonho quando colocado como algo que precisa ser feito, realizado, mas que não diminui o teor totalmente verídico da obra.
Logo pensei em mim mesma. Não, não falo sobre querer ter o mesmo destino de Elena. Não tenho essa ânsia pelo trágico. Não agora em que estou começando a existir nessa existência de outra forma. Falo mais pela diretora que soube, a partir da dor, das perguntas que provavelmente nem o filme pode responder ao telespectador — e nem a ela mesma — , mas sim, em como raios fazer de nossa vida, um amontoado de momentos que alteram entre o ordinário e o extraordinário, inspiração. Na verdade, acho mesmo que todas as vidas são vistas assim até que a transformemos em algo digno de suspiro unificado, até que a transformemos em Arte.
Além do mais, pensando na arte de “Elena”, há, no entanto, alguns momentos em que o filme sugere o que não está dentro das cenas, mas ainda assim, está lá.
Cena do filme “Elena”
Eu sofri muito com a perda de Elena. Eu me senti como mais uma daquelas mulheres flutuando na água; as Ofélias de Hamlet. Me senti como uma Petra que deseja que sua arte seja rio que corre, oceano que inunda, lago que tranquiliza, mas que independentemente de “geografia”, quer que ela seja acessível por quem gosta de mergulhar nas águas [arte] de outrem.
{…}
Depois de tantos devaneios, antes de dormir, penso numa amiga em especial que poderia gostar de ver o filme, isso se ela ainda não tivesse o feito. Escrevo pra Carla. Ela assume não ter assistido. Então, num áudio de um minuto e meio, conto com empolgação e emoção sobre o filme, mas mais do que uma sinopse, falo como o filme veio até a mim [vide o início deste texto].
Ela, então, me responde:
— Você acredita que vi alguém no meu Instagram falando sobre esse filme ser ótimo? Eu até tinha anotado pra assistir depois…
Eu respondo de volta com um ar que beira entre a surpresa e o alívio por conta dessa conexão cósmica ter acontecido com ela também.
{…}
Sinceramente eu não imaginava que após o filme fosse existir essa “novela toda”, e que uma das possíveis lições aprendidas seria comprovar que há um mistério encantador “no que poderia ter sido antes e não foi. Mas que está sendo agora.” Explico. Não assisti “Elena” em 2012 quando foi lançado, mas guardei algo que viria ser uma pista pra assistir anos depois, pista essa que provavelmente se perdeu no fluxo do tempo. No entanto, cosmicamente, o destino se encarregou de me trazer, flutuando, pelo som da boca do meu mensageiro da sorte e pela conexão com uma amiga da sorte, o sinal necessário para ligar os pontos. Eu tinha que assistir Elena, cedo ou tarde.
Ficcionalmente pensando, me pergunto se a personagem Elena era humana demais para ser atriz ou complexa demais para ser uma mortal no mundo real. Mas, das certezas que carrego, só sei que viver implica ser de carne e osso, e de nada adianta ter apego a nada — nem que seja a um simples material, o papel.
A vida é mais que ficção, a vida é mais que realidade. A vida é tudo isso que sabemos, mas no fim, não sabemos. Assistam Elena.
Obrigada por me ler até aqui. Te vejo na próxima confissão. <3
Larissa Xavier // Literatura Confessional
***hey, psiu! Agora que acabou de ler, ou ouvir, se alguma passagem te inspirou, encaminhe para quem possa se inspirar também!
{Confissão #5} Quando a inspiração tem nome próprio