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{confissão #6} Pessoas Normais amam, e amam muito!
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{confissão #6} Pessoas Normais amam, e amam muito!

Para além de uma leitura despretensiosa, o livro “Pessoas Normais”, de Sally Rooney, é um deleitável ponto de partida para enlaçar as “normalidades” do amor na ficção e na vida real. Neste episódio, confesso minhas impressões sobre a obra e sobre a potência do amor genuíno. Aperte o play!


Olá você,

Passei por algumas semanas de baixa criativa e foi quase impossível, dramaticamente falando, escrever, a meu ver, algo que “prestasse” {risos de nervoso}, o que também não quer dizer que não escrevi nada nesse período. Entre uma linha e uma “raiva” conquistada, tive vários rascunhos mal-sucedidos, o que adiou estar aqui previamente.

Por outro lado, penso que até na escrita “o que tiver que ser vai ser” se aplica e, por isso, o que estava tentando escrever, de certo, não era pra ser. Fato é que a criatividade não é linear, nem tampouco pode ser conquistada à marra, e tal qual é o amor.

Falando em amor, essa newsletter/texto/podcast, tem muito desse sentimento que todos nós, presumo, amam amar. Então, quando me dei conta que poderia escrever algo que envolvesse amor e literatura, não pensei duas vezes em escrever sobre meu último amor literário: “Pessoas Normais”, da escritora irlandesa, Sally Rooney.

Como não quero ser repetitiva, ou quiçá redundante, paro por aqui e deixo que vocês próprios leiam ou escutem minhas divagações sobre esse romance, que tinha tudo para ser só mais um, mas que acabou, sendo uma fantástica surpresa que conquistou, não só a mim, mas milhares de pessoas que adoram uma boa história de amor alheia.

Larissa Xavier // Literatura Confessional

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Pessoas normais amam, e amam muito!

Para além de uma leitura despretensiosa, o livro “Pessoas Normais”, de Sally Rooney, é um deleitável ponto de partida para enlaçar as “normalidades” do amor na ficção e na vida real. Por Larissa Xavier

Dentre tanto que fascina na literatura, uma delas está o poder que alguns escritores têm em capturar experiências amorosas e as desmembrarem em quantas páginas, diálogos, parágrafos, e capítulos forem necessários. Assim, certas obras passam a resultar em deliciosos romances que são consumidos como refeição ansiada na mesa de pessoas comuns.

Por outro lado, quando se pensa no sucesso de um livro, a métrica usada para tal não é somente validada por quem o concebeu, ou seja, o autor, mas, sim, se depois de lê-lo o leitor é rendido e se sente imediatamente compelido a passá-lo adiante. De mão em mão, de boca em boca. Foi exatamente o que aconteceu com o fenômeno literário“Pessoas Normais” (Normal People). Escrito pela irlandesa Sally Rooney, a obra também teve adaptação para TV (aliás co-escrita pela própria autora) e foi disponibilizada no formato de séries pela plataforma de streaming Hulu.

Depois de assistir à série e em seguida ler o livro, me vi determinada em divulgá-los para todos que conhecia, e, claro, escrever um texto sobre isso. Em contrapartida, ao ponto em que escrevo, isso pode ser meio ultrapassado, porque a maioria provavelmente até já o leu/assistiu, pois claramente teve o mesmo impulso que eu. Todavia, sempre existe alguém na contramão e, no mais, talvez seja esse o efeito de pessoais normais: passar a normalidade millennial que berra por atenção (como se já não tivesse o bastante) adiante.(p.s.: assistir + ler, nessa ordem, é algo que não recomendo e tentarei não fazer novamente, visto que foi inevitável não me pegar lendo e revendo, ao mesmo tempo, as cenas em minha cabeça, minando assim o poder de imaginar outro enquadramento possível e único — o meu)

Os principais personagens-pessoas da obra de Rooney, Marianne e Connell, estudam na mesma escola na Irlanda e têm uma dinâmica de vivência que se inicia ainda no ensino médio. Connell, apesar de ter uma condição financeira “inferior” em relação à Marianne (a mãe dele trabalha como faxineira para a mãe da colega) é popular, bonito, atlético, mas um tanto quanto passivo para o perfil. Marianne, por sua vez, além de viver numa mansão, é inteligente, perspicaz, impopular, e extremamente observadora, tanto que chega a beirar o estranhamento visto sob a ótica da galera adolescente, que assim desconsideram sua beleza — isso porque ela, claramente, é bonita.

Connel e Marianne da série no Hulu

O casal, então, se envolve e vive uma clássica relação entre idas e vindas que dura no decorrer da faculdade. Desse modo, o leitor os acompanha ao longo de várias fases e anos; com eles juntos ou separados, às vezes como amigos, às vezes romanticamente, às vezes enquanto ele está envolvido com outra pessoa, ou ela está, ou ambos estão. Enquanto ela está morando a milhas de distância e vice-versa. 

A narrativa explora os dois pontos de vista, o dela e o dele, mas que frequentemente tem a presença de um narrador em terceira pessoa. Me pergunto quem seria, além de mim mesma, o narrador de minha história. Porque se tudo tem 3 (ou mais) lados, o que acredito, deve mesmo existir alguém acompanhando cada um de nós, que não ou somente um @deus — pelo menos não o mesmo que a humanidade julga olhar lá de cima, porém um que julga, sim, de todos os ângulos. Vai saber.

Assim, quando se lê a sinopse (não só a minha, mas a oficial também) a primeira impressão é de que, não há nada de muito excitante, especialmente por parecer mais um romance bobinho, que apesar de irlandês, tem muito do tom americanizado de contexto amoroso-social. No entanto, surpreendentemente, Pessoas Normais não é nada disso. Além de tocar em temas como ansiedade, depressão, disparidade social, submissão da mulher; a obra é uma imensa história de amor, mas mais do que isso, é uma história de conexão física e emocional e, como deveria ser, um não pode se divorciar do outro, tanto na ficção da escritora quanto na nossa realidade. 

Além do mais, é também uma história de amor não linear, no sentido onde nos desprendemos da ideia de ver onde ela vai “parar”, afinal, é normal estarmos sempre a espera de um desfecho, ainda que momentâneo (do tipo: “estou namorando”, “vamos casar”, “estou grávida” […]). Ah, esses fins intermediários que tanto procuramos. Ademais, fica subentendido durante a obra que o amor do casal é um espaço sagrado que não pode ser integrado ao resto do mundo, e nem tampouco é uma união descartável. Por isso eles não conseguem se afastar permanentemente. 

{…}

Quando falamos em histórias de amor, normalmente, pensamos em narrativas épicas e inacessíveis em alguma escala. Porque ao fim, nos pegamos na [eterna] busca por viver um enredo como tal, como que se o que foi vivido ou ainda se vive, não seja bom, empolgante, amoroso e bem-sucedido sexualmente o bastante. O sexo, aliás, acaba sendo bem presente na obra, mais na tela do que nas páginas em si. A humanidade, nesse ponto, se divide em dois grupos: os que preferem separar o sexo da emoção, como se os dois não pudessem coexistir, e os que lutam para ter um sexo imbuído de sentimento, de amor. Nessa, prefiro me abster e deixar que cada um tome partido de sua própria turma [risos].

Então, uma das [grandes] sacadas em “Normal People”, do ponto de vista da literatura e dos relacionamentos, é que a união dos envolvidos é naturalmente bem amarrada, mas não que isso beire a perfeição de uma relação, longe disso. Mas sim que é possível ter amor e sexo em sintonia, e, ainda sim, não ter uma relação bem-sucedida. Porque é preciso bem mais que isso. Qual seria o segredo? No caso, ele está na falta. O que falta no relacionamento de Marianne e Connell é a comunicação de sentimentos de forma clara; comunicação essa que, apesar de íntima e direta entre eles, negligencia objetividade. O óbvio é bem mais útil do que o que está nas entrelinhas. E nisso, nós, os personagens da vida real, relutamos em aprender.

Assim, os obstáculos e desvios no relacionamento de Marianne e Connell tendem a surgir quando nenhum dos dois é capaz de dizer um ao outro o que realmente precisa, presumindo, ao invés que essas necessidades sejam transparentes. 

“Acho que é bastante óbvio que não quero que você vá embora”, disse Connell a Marianne em uma das passagens. “Não acho óbvio o que você quer”, ela responde.

 Quem nunca achou que disse algo enquanto não dizia, ou quem nunca achou que uma situação estava resolvida enquanto não estava? Não só no amor, mas a vida, como um todo, entra em risco quando tentamos presumir demais as coisas ao invés de irmos direto ao ponto.

É exatamente essa humanidade nua e crua do casal que faz o romance ser tão viciante a ponto de ser analisado e acompanhado (como aquelas histórias que um amigo sempre tem para contar) por nós mortais. Muito também pela proximidade tentadora dos personagens, que embora vivam esse amor transformador, se deixam levar pela insistência desajeitadamente humana em querer bagunçar as coisas — definitivamente eles são pessoas normais.

Até aqui fica claro o quanto a conexão entre o casal foi instantânea e magnética, mas, por outro lado, sua convivência parece ser por vezes tão estranha, desconfortável ​​e mediadas pelas circunstâncias. Nesse ponto a autora se posiciona como as insistentes eventualidades que fazem alguns relacionamentos terem mais desafios do que outros. Quantas e quantas vezes nos deparamos com episódios que nos forçam a mudar a dinâmica de como nosso relacionamento é conduzido? Episódios esses que alternam entre os intencionalmente provocados, e os que escapam nosso total entendimento. É a vida fazendo a vida acontecer, sem pedir licença, sem ser convidada. Mas ela, a vida, precisa acontecer queremos ou não. Mas o amor, de novo, é capaz de dar meia volta e pisar fundo no acelerador pra seguir rumo ao que deseja.

capa do livro “Pessoas Normais” (Cia. das Letras)

Mesmo com esse mar em flutuação no relacionamento, mais do que eventualmente se machucarem, Connell e Marianne contribuem para a vida um do outro de uma forma que ameniza a desigualdade de suas experiências singulares. E como o tipo de intimidade que eles alcançaram os enriqueceu para sempre, torna quase impossível se separarem por completo, por isso não poderiam ter um destino previsível. A vida não tem script.

{…}

O final de Pessoas Normais é enlouquecedoramente incerto e ambíguo: 

Seriam eles capazes de fazer esse relacionamento “tomar unidade”? 

Nem ouso utilizar a expressão “dar certo”, porque claramente a união deu/está dando certo em algum aspecto. Porém, independentemente de como cada um pode interpretar ou desejar para o final da obra, a maior lição dada pela autora é que uma história de amor não pode ser reduzida a um simples final feliz ou uma tragédia, uma aventura ou uma fonte de arrependimento, aliás nem na literatura quanto mais em nosso cotididano. O relacionamento apenas existe/existiu. O sentimento gerado, a meu ver, tem mais valor do que a forma como culminou.

“os tipos de experiências amorosas sobre as quais escrevo são quase exclusivamente em relacionamentos muito intensos e comprometidos. Não que as pessoas sejam casadas, mas elas estão realmente na vida uma da outra.” disse a autora em entrevista.

E é exatamente isso, Sally. Porque o amor genuíno vai além do antes, do durante e do depois. E Pessoas Normais é definitivamente uma história de amor genuíno, como pontuou categoricamente minha amiga Carla. E o que seria esse amor genuíno, Carla e todos que me leem? Falando por mim, é um amor crônico e como ele assume várias formas, afeta e transforma os envolvidos profundamente, às vezes de maneira inesperada, às vezes de maneira corriqueira. É o amor que transcende tempo-espaço, que transcende caprichos. É o amor que pode acabar, mas que, ainda sim, não tem fim, porque esse amor apenas é. 

Amar genuinamente é amar através de nossa própria existência. Não precisa ser o amor-físico, nem tampouco o amor-emocional, somente o amor puro. Sabe-se quando se está amando. E amar genuinamente é amar sem violência, sem fórmulas, sem segredos; sem comparação. E quando nos damos conta, ou melhor, o vivemos, atingimos a máxima do amar. Ser normal tem disso.


Obrigada por me ler/ouvir até aqui. Te vejo na próxima confissão. <3

Larissa Xavier // Literatura Confessional

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Revelando a interioridade de nosso eu mais profundo através de longas e íntimas narrativas contadas em primeira pessoa; por mim, Larissa Xavier, e por quem quer que queria se confessar. Porque somente a escrita pode libertar o que a vida faz aprisionar.